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A doutora Sarah Rückl explica mais detalhes sobre como identificar um e pedir ajuda.

Os dados de violência contra a mulher no Brasil mostram que 3 em cada 5 jovens já sofreram violência em relacionamentos, segundo pesquisa do Instituto Avon e Data Popular. Os relacionamentos abusivos são o início do que pode se tornar uma série de consequências muito graves para uma mulher. Longe de serem caracterizados somente pela violência física, nesta entrevista, a psiquiatra Sarah Rückl fala sobre como identificá-los e onde buscar ajuda.

Como identificar um relacionamento abusivo?

O homem que é abusador não olha para a mulher como um ser que tem vontades e sonhos, mas como um objeto, e isso gera um comportamento de muita possessão, ciúme e controle. Ele tem a sensação de que ela tem que o satisfazer, e quando isso não acontece ele a pune com pequenas coisas: um silêncio que não acaba, abstinência sexual, desaparecer e reaparecer como se nada tivesse acontecido. Esse tipo de punição gera sentimento de culpa na mulher e ela vai se enfraquecendo. Também têm as críticas: ao emprego, trabalho, amigos e família de modo a, cada vez mais, afastar a mulher da rede social dela, pra que ela não se relacione com nada além dele mesmo.

E podemos dizer que esses relacionamentos têm níveis? Tendem a piorar?

Na prática, a tendência é piorar. Geralmente o início é de muito envolvimento, porque o homem que é abusador é muito sedutor. Ele vai fazer de tudo para te conquistar, levar para jantar em restaurantes caríssimos, te cobrir de flores, até ele conseguir o que ele quer. Normalmente, esse período dura de seis meses a um ano. Quando o relacionamento se torna íntimo, começam a aparecer essas pequenas punições. Depois vêm as agressões verbais, para depois, às vezes, quebrar objetos, partir para a violência física ou, até mesmo, feminicídio.

E como ajudar uma mulher que está nessa situação?

Tirá-la daquela díade em que está com esse homem e tentar mostrar que existe outra realidade. Não é muito fácil, já que o homem abusivo faz com que ela duvide muito do que vê e ouve, dizendo que ela está louca e vê coisas. Alertar muitas vezes é difícil porque ela não quer enxergar, e se você for direto ao ponto elas geralmente já têm um discurso formado. Então, é preciso tentar puxar mais para o círculo social e mostrar o quanto ela mudou. Vemos uma mudança no comportamento da mulher que é absurda: de vivaz e cheia de energia, passa a ser enfraquecida e já não consegue mais ter um cuidado consigo e nem se permite fazer o que gosta. Questionar essa mudança e deixar uma brecha para que ela fale livremente ajuda.

Quando uma paciente chega para um tratamento ela já identificou que está num relacionamento abusivo?

Não, geralmente elas vêm por estarem deprimidas, ansiosas, com compulsão alimentar. Como ela já não está satisfazendo a vida em nenhum aspecto, passa a ter um comportamento compulsivo com álcool, drogas, medicação ou comida para ativar o centro de recompensa cerebral e ter alguma satisfação durante o dia. Quando você começa a fazer a terapia, conversar, explorar e pontuar que essa relação pode ser abusiva elas ficam bastante em dúvida no começo. Eu atendi um caso em que o homem a tolhia de tudo, mas nunca partiu para agressão física. Ela tinha uma vida muito restrita, ele tinha ciúmes excessivo, ela parou de estudar, mas nunca foi agredida e por isso ela não achava que era um relacionamento abusivo. Ela se separou e está sentindo a leveza de não ter mais que ficar se justificando.

E o processo de recuperação, demora?

Demora. Mulheres vítimas de abuso geralmente tiveram um relacionamento abusivo na infância. E não físico, mas de ter uma figura de muito controle que não respeitava o desejo da criança. A gente trabalha a teoria do apego com o outro. A teoria do trauma é isso: as primeiras relações que eu tive na infância vão moldar a forma com que eu vou me relacionar com os outros na fase adulta. Se eu tenho relacionamentos que não me respeitam quando eu sou criança, eu internalizo isso e vou procurar parceiros parecidos.

Quais dicas podemos dar para alguém que está percebendo que pode haver um problema?

Buscar ajuda. Se você percebe que está grave, você tem que ir na Delegacia da Mulher e fazer uma denúncia. Sair de casa, procurar sua rede de contatos, ficar próxima de pessoas que você conhece, alertar. E procurar ajuda psicológica e psiquiátrica é essencial. Se fortaleça, ative a rede para não ficar sozinha, vá em grupos de mútua ajuda e à delegacia fazer a denúncia.

Para conhecer os procedimentos de denúncia e as iniciativas públicas de apoio às mulheres no Paraná, confira a sequência da série Combate à violência contra a mulher.

*Doutora em Psiquiatria pela Universidade de Heidelberg, Sarah morou na Alemanha durante cinco anos e se surpreendeu ao perceber uma sociedade em que igualdade de gêneros era muito mais efetiva. Ela mantém um consultório de saúde mental da mulher em Curitiba e atende vítimas de relacionamentos abusivos há três anos, lutando para melhorar essa realidade.